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Serviços Digitais e sua tributação

Autor: Carlos Eduardo Machado Pires

O presente trabalho tem por objetivo perpassar e provocar uma reflexão sobre o desafio de tributação dos serviços digitais globalizados.


Os avanços tecnológicos das últimas décadas têm possibilitado a criação de novos modelos de negócios onde empresas sediadas em qualquer lugar do mundo podem ofertar produtos e serviços para toda população global, criando um complexo cenário tributário.


No Brasil, Estados tem a competência para regular, fiscalizar e arrecadar tributos incidentes sobre a circulação de bens e serviços e os Municípios sobre a prestação de serviços. No entanto, quando se trata de plataformas digitais, cujas empresas estão sediadas fora do país, mas que tem como atividade econômica a oferta de conteúdos digitais ou conectar consumidores com prestadores de serviços, surge a questão se incide sobre tais empresas os tributos estaduais e municipais.


É sobre este questionamento que se finca a presente pesquisa.

Na primeira parte deste artigo, o avanço tecnológico será abordado como catalizador da inovação e competitividade empresarial, demonstrando o cenário que possibilitou o surgimento de plataformas digitais com alcance global.


A segunda parte adentra sobre a tributação, delineando seus princípios constitucionais, instituição e distribuição de competências, entre os entes da federação Brasileira, para fiscalizar e arrecadar tributos.
Por fim, na terceira e última parte traçamos um paralelo sobre as atividades econômicas desempenhadas pelas empresas extranacionais que fornecem produtos ou serviços dentro das fronteiras brasileiras e a incidência, ou não, de tributos à luz dos normativos tributários nacionais.


Espera-se com este trabalho não esgotar o tema, mas ser a gênese de novas indagações, inquietações e pesquisas futuras que possam gerar proposições que resultem em um ponto de equilíbrio entre a arrecadação do Estado, necessária para financiar as atividades sociais sem, contudo, inviabilizar a atividade econômica das empresas que exploram as plataformas digitais ou resultar em ampliação da já elevada carga tributária brasileira.

Tecnologia como diferencial competitivo

É realmente interessante perceber como a tecnologia está mudando a forma com a qual as pessoas interagem entre si e como mudaram seus hábitos de consumo, seus estilos de vida e de trabalho, especialmente se lembrarmos que os computadores fazem parte do nosso cotidiano a pouco mais de 30 anos.


Os computadores começaram a fazer parte dos lares das famílias no final da década de 80, inicialmente apenas como computadores pessoais, dispositivo de pouca utilidade prática em um mundo dominado pela televisão como centro de entretenimentos e o telefone como meio de comunicação.


Atualmente o cenário é outro. Dispositivos eletroeletrônicos que fazem parte de nossas vidas há décadas também se transformaram em computadores. Televisores, celulares, geladeiras, dentre outros, se tornaram mais versáteis, desempenhando outras atividades além daquelas que originalmente foram desenhadas, especificamente a de se comunicar com outros dispositivos.


Em uma palestra realizada na Universidade de Brasília, em 2012, Brad Smith, então CEO da Microsoft, explicou que o avanço no desenvolvimento de hardwares, que se tornaram menores, com maior capacidade de armazenamento e baterias com melhor vida útil, permitiu a transformação de diversos equipamentos eletrônicos em computadores. No entanto, ele explicou que outro fator contribuiu significativamente para revolução tecnológica que até hoje, vinte anos após sua palestra, influencia a vida cotidiana: A computação em Nuvem.


A computação em nuvem se tornou um termo usado diariamente no setor de tecnologia que, na prática, significa que as pessoas de diferentes regiões do mundo que utilizam softwares ou aplicativos ditos “na nuvem” estão, na verdade, utilizando softwares que são executados em um datacenter de uma empresa. Ele continuou explicando que a computação em nuvem transformou a forma segundo a qual o setor de tecnologia da informação funciona e a forma como pequenas empresas em particular podem começar seus negócios e imediatamente utilizar esse tipo de serviço para fornecer um novo benefício às pessoas. (Smith, 2012, p. 203)


Além das transformações tecnológicas, que são evidentes, o mundo também está passando por grandes transformações econômicas, políticas e culturais que carregam consigo uma grande carga de incerteza e complexidade.


Se por um lado essa mudança gera ameaças de desaparecimento às organizações que não conseguirem se adaptar, por outro, ela oferece oportunidades de expansão para as empresas se manterem no mercado, mas para isto, ela precisa desenvolver uma Vantagem Competitiva.


A competitividade é tida como a habilidade ou talento resultante de conhecimentos adquiridos capazes de criar e sustentar um desempenho superior ao desenvolvido pela concorrência, portanto, a elevação na participação de mercado depende da capacidade das empresas em atingir altos níveis de produtividade e aumentá-la ao longo do tempo. O desempenho pode ser derivado da geração ou inovações valiosas do mercado, da construção de barreiras à imitação aos seus produtos e serviços ou aprendendo e mudando mais rapidamente que a concorrência. (Brilhante y Alves, 2020)


Os avanços tecnológicos dos últimos anos possibilitaram a criação de um novo mercado digital, onde as empresas que identificaram este nicho e investiram em produtos e serviços pautados em plataformas digitais, desenvolveram certa vantagem competitiva e ganharam destaque nas primeiras décadas do século 21.

Nova forma de consumir produtos e serviços

As plataformas digitais provêm uma base tecnológica para entregar ou agregar serviços e conteúdos e cria uma ponte entre os fornecedores destes produtos\serviços e os consumidores finais. (DE Lima y Valente, 2019).


É neste contexto de plataformas digitais, que unem os avanços tecnológicos de dispositivos com o exponencial desenvolvimento da Internet, que surgem novas oportunidades no mundo dos negócios, sendo a mais explorada dentre estas oportunidades o E-Commerce, ou comércio eletrônico de produtos e serviços.


O E-Commerce teve início nos Estados Unidos em 1995 e somente cinco anos depois começou a se desenvolver no Brasil. (Nascente et al., 2022, p. 5)


O comércio online traz uma gama de vantagens ao consumidor, pois basta um computador ou smartphone conectado à internet para ter acesso a uma infinidade de produtos e serviços disponíveis 24h, sete dias na semana.


Esta facilidade permite ao consumidor uma economia de tempo em busca do produto ou serviço desejado, a comparação de preços de forma rápida e alcance global de diferentes fornecedores, ou seja, os usuários das plataformas digitais conseguem comprar ou oferecer produtos e serviços de diferentes cidades, estados e até países.


É perceptível que o comércio eletrônico trouxe grandes transformações nas relações entre cliente-empresa e na organização da própria empresa. Estas alterações exigem estratégias, logística, mudanças nos processos, constantes estudos da cadeia de valores, estabelecimento de parcerias com outras empresas, etc.


Se por um lado temos os clientes que movidos pela comodidade trazida pelas plataformas digitais fazem uso cada vez maior dos e-commerce para adquirir produtos e serviços, do outro lado temos as empresas, que querem estreitar sua conexão com consumidores, fornecedores, distribuidores e até concorrentes expandindo assim sua participação no mercado. (Nascente et al., 2022, p. 6)


Muito mais do que apenas prover um ambiente propício para o e-commerce, as plataformas digitais, segundo De Lima e Valente, “assumem a condição de espaços/agentes de mediação ativa constituídos sobre uma base tecnológica nos quais ocorrem diferentes atividades e pelos quais são transacionados serviços, conteúdos e interações, tendo como um traço distintivo e sua atuação no ambiente conectado, mesmo que não necessariamente em um endereço www (como no caso dos aplicativos).” (DE Lima y Valente, 2019, p. 6)


Neste cenário de um ambiente digital que permite conectar fornecedores com consumidores, surge espaço para um novo modelo de negócio que De Lima denomina “Matchmakers” (“promotores de encontro” ou “agenciadores”, em uma tentativa de tradução) termo usado para designar companhias que usam plataformas digitais para conectar pessoas que querem vender ou ofertar um bem ou serviço a outras com esta demanda ou disposição de consumo, em outras palavras, as companhias Matchmakers vendem o acesso de um grupo de pessoas (consumidores) a outro (fornecedores) (DE Lima y Valente, 2019, p. 5).


Atualmente, as plataformas digitais dos Matchmakers fazem parte de nossa vida cotidiana. Estamos cercados delas e elas estão em qualquer smartphone ao redor do globo. Facebook, Netflix, Uber, Airbnb são exemplos disto.


Essas plataformas provocaram verdadeira disruptura nos modelos de negócio tradicionais, no comportamento da sociedade e até mesmo nos governos. Elas unem pessoas com interesses semelhantes, vendedores com compradores, criadores de conteúdos com plateias, fornecedores de serviços com clientes.


Uma das características centrais das plataformas digitais dos Matchmakers é funcionar como um centralizador de oferta de produtos e serviços aos consumidores finais. Isso os diferencia de empresas tradicionais marcadas pela aquisição de matérias-primas e o emprego da força de trabalho para processá-las na forma de um produto a ser vendido no mercado, ou seja, o negócio principal destas plataformas é a oferta, seja ela voluntária ou involuntária, de conexão entre os fornecedores de produtos\serviços e consumidores.


A oferta voluntária ocorre quando o consumidor final utiliza as plataformas digitais destas empresas Matchmakers para buscar determinado produto ou serviço, como um carro para o transportar de um local a outro (Uber), um quarto para se hospedar (Airbnb), um produto específico para sua casa (Mercado Livre). A oferta involuntária acontece quando os produtos\serviços são apresentados aos consumidores finais sem que estes o tenha solicitado, como publicidade em suas redes sociais.


Apesar da inquestionável revolução que as plataformas digitais trouxeram ao mundo, a ideia principal, o núcleo deste modelo de negócio não é novo.


Sanchez explica que classificados em jornais, revistas e feiras funcionam com a mesma ideia básica das plataformas digitais. No entanto, a tecnologia da informação permitiu às plataformas digitais escalonar de forma sem precedente, o alcance de suas conexões e ao mesmo tempo minimizar, ou até mesmo eliminar, os custos para que os consumidores finais tenham acesso ao que procuram (Sanchez‐Cartas y León, 2021, p. 452).


No modelo tradicional, para encontrar um provedor de serviço ou produto, o consumidor teria que comprar um jornal ou ingresso de uma feira para, quem sabe, encontrar o que precisa. As plataformas digitais e os Matchmakers quebraram este paradigma. Por meio delas, é possível se conectar a provedores localizados em diferentes regiões do planeta, praticamente a custo zero. É essa característica que possibilitaram às plataformas digitais alcançar relevância global.


A abrangência global das plataformas digitais resulta em bilhões de usuários de seus serviços, e consequentemente, em um faturamento igualmente bilionário.

Tributação e seus limites constitucionais

Não se discute que onde existir capacidade econômica, lucro e renda, deve existir tributação, para financiar as atividades do Estado posto que ele é quem fornece a infraestrutura para desenvolvimento da vida econômica e em sociedade.


A tributação é um mecanismo existente desde o início da organização política, social, cultural e econômica da sociedade que, com o passar do tempo, foi se transformando em uma das mais importantes ferramentas na redefinição da distribuição de rendas e riquezas para o estado.


Os tributos são, em outras palavras, as receitas derivadas que o Estado recolhe do patrimônio dos indivíduos, baseado no seu poder fiscal (poder de tributar, às vezes consorciado com o poder de regular), mas disciplinado por normas de direito público que constituem o Direito Tributário.


Deste modo, o tributo resulta de uma exigência do Estado, que, nos primórdios da história fiscal, decorria da vontade do soberano, então identificada com a lei, e hoje se funda na lei, como expressão da vontade coletiva, ou seja, o tributo é uma prestação exigível, nos termos da lei, de todos os indivíduos para que contribuam para os custeios do bem estar social. (Brilhante y Alves, 2020).


Portanto, o poder de tributar do Estado encontra limites previstos em lei como forma de salvaguardar o contribuinte.


Lopes ensina que “As normas tributárias para serem instituídas, devem obedecer às prescrições contidas nas normas constitucionais que dizem respeito ao seu processo de veiculação e ao seu conteúdo semântico. A criação de um tributo por um ente público deve, inicialmente, estar devidamente autorizada pelas normas contidas na Constituição da República que fixam a competência tributária. Competência tributária, por sua vez, é a faculdade concedida a uma pessoa política de Direito Público Interno, por uma regra de estrutura constitucional, para emitir, pelo seu órgão competente, dentro do procedimento previsto e pelo veículo pertinente, linguagem prescritiva com a qual se possa construir a regra-matriz de incidência tributária do tributo especificado pela própria regra de estrutura que lhe deferiu a competência. O exercício da competência tributária é fato jurídico apto a criar uma norma jurídica, em função de sua previsão no antecedente normativo da norma de estrutura, que prescreve em seu consequente o surgimento de nova linguagem normativa válida. É, deste modo, uma fonte material do direito, ou seja, fato jurisdicizado por norma, que gera como efeito jurídico a edição de nova norma de inferior hierarquia.” (Lopes, 2008, pp. 28–29)


Extrai-se da explicação de Lopes que o arcabouço legislativo tributário do Brasil é sustentado por três pilares:

O primeiro pilar é a própria Constituição Federal que limita o poder expropriatório do Estado ao delimitar os tributos exigíveis e atribuir a competência tributária aos demais entes federativos para regular, fiscalizar e arrecadar tributos.


A Constituição Federal do Brasil dispõe expressamente que compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, a renda, a circulação de mercadorias, os serviços e demais fatos imponíveis. Isto é denominado competência tributária, expresso nos artigos 153, 155 e 156 da Constituição Federal e que delimita exatamente quais tributos podem ser criados por cada ente federativo.


O artigo 146, inciso III, da CF/88, e o artigo 156, III, entretanto, fixam mais um requisito a ser observado para a válida cobrança da exação. Além da previsão constitucional de competência e seu exercício pelos meios regulares, a instituição dos impostos deve obedecer ao que está previsto nas chamadas “normas gerais de Direito Tributário”, de onde surge o segundo pilar deste arcabouço tributário.


O segundo pilar é o Código Tributário Nacional – CTN (Lei 5.178/1966), que estabelece regras, princípios e procedimentos gerais de observância obrigatória pelos demais entes federativos.


Segundo o Código Tributário Nacional, no seu art. 3º “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”


O art. 114 do CTN, por sua vez, reza que “o fato gerador da obrigação tributária principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”. Assim, é possível correlacionar o caráter pecuniário do tributo com o princípio da legalidade tributária, já que a lei define as situações em que o tributo é exigível.


Uma vez ocorrido o fato gerador, nasce a obrigação compulsória de recolher o tributo previsto, por outro lado, não se materializando o fato gerador previsto em lei, não existe e obrigação de pagar tributo
Sendo, portanto, uma prestação pecuniária compulsória, importante identificar a quem recai o cumprimento de tal obrigação quando da ocorrência do fato gerador.


O art. 121 do Código Tributário Nacional define que a responsabilidade do pagamento do tributo é do sujeito passivo, podendo ser ele, nos termos dos incisos I e II, o contribuinte quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador ou o responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.


O terceiro pilar são as normas e leis federais, estaduais e municipais que regulam os tributos constitucionalmente previstos, dentro dos limites de suas competências constitucionais e em estrita observância às regras gerais expressas no Código Tributário Nacional.


As leis complementares federais descrevem, de forma taxativa, as atividades passíveis de tributação pelos Estados e Municípios, criando verdadeira barreira ao poder de tributar o que, para Lopes, é um mecanismo para assegurar o equilíbrio entre a autonomia municipal, o pacto federativo e a igualdade entre os entes públicos e ao mesmo tempo garantir a segurança jurídica, a unidade e a uniformidade do tratamento tributário no território nacional e o favorecimento à livre iniciativa econômica. (Lopes, 2008, p. 36)


O autor concluir, portanto, que um tributo somente poderá se considerar instituído ou criado quando houver a possibilidade de sua arrecadação, após superada as barreiras constitucionais e realizada a devida regulamentação em lei própria pelo ente federativo dotado de competência ou de capacidade tributária.


Importante mencionar que os tributos podem ser classificados como diretos ou indiretos. Essas duas categorias têm efeitos diferentes na economia, no que diz respeito à justiça tributária, na distribuição de renda e na alocação setorial de recursos escassos.


Os tributos diretos têm como característica o princípio da individualidade e sua base de cálculo que são feitos a partir da propriedade de bens ou serviços do contribuinte, ou seja, esses tributos identificam e especificam o patrimônio objeto da incidência tributária e o contribuinte proprietário do bem.
Os tributos diretos são cobrados principalmente sobre a renda, bens móveis e bens imóveis. Embora os fatos sujeitos à tributação sejam diversos, o impacto final recai diretamente sobre a renda e patrimônio do contribuinte.


Os tributos indiretos têm um maior peso social, pois afetam o consumo, em outras palavras, trata-se de tributos transferidos pelo contribuinte originário para terceiros, consumidores de seus produtos ou serviços, sendo repassados no preço das transações.
Portanto, têm-se que sobre toda atividade econômica para produção, circulação ou prestação de serviços incide a tributação indireta.


Os tributos indiretos são cobrados em todos os estágios de produção até a venda ao consumidor, desse jeito não é fácil mensurar seus efeitos sobre os preços pagos.


Para Brilhante e Alves (2020) os impostos indiretos representam a maior fatia da arrecadação do governo brasileiro, sendo responsável direto pela degradação da economia pois esses impostos atingem toda a população, elevando o nível geral de preço e promovendo desigualdade social. (Brilhante y Alves, 2020).
Dentre os principais tributos indiretos existentes no Brasil, destacam-se como protagonistas de arrecadação nos Estados o ICMS e nos Municípios o ISSQN.

ICMS – TRIBUTO ESTADUAL

A Constituição Federal, no Art. 155, Inciso II, estabeleceu que é da competência dos Estados e Distrito Federal instituir impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias, prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, denominado ICMS.


As regras gerais deste tributo estão definidas na Lei complementar 87/96, devendo os Estados regular, em legislação própria, a operacionalização para fiscalização e arrecadação do ICMS respeitando os limites impostos pela referida lei complementar, em especial as atividades expressamente definidas em seu art. 3º nas quais referido imposto não incide.

ISSQN – TRIBUTO MUNICIPAL

O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) está previsto no Texto Constitucional de 1988 como um dos impostos que podem ser criados pelos Municípios, tendo sua materialidade definida pelo artigo 156, inciso III da CF/88, que veicula esta norma de competência, afirmando que “compete aos municípios instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”.


Esta competência para criação do imposto autoriza que cada ente tributante municipal, pelo ato legislativo próprio (fonte material da norma de tributação), institua o imposto sobre serviços, em sua esfera de competência, enunciando sua norma jurídica tributária em veículo normativo de hierarquia legal. (Lopes, 2008, p. 42)


No entanto, é importante ressaltar que, não obstante a competência tributária para definir a incidência de tributos sobre o fornecimento de serviços de qualquer natureza (ISSQN) seja do município, as atividades passíveis de tributação devem estar expressamente listadas no anexo da Lei Complementar 116/2003, isto porque a competência tributária do município não é absoluta, encontra como barreira constitucional a necessidade de observância às regras gerais tributárias expressas em lei complementar, conforme disposto no art. 156, III da Constituição Federal.


Deste modo, a lista de serviços veiculada pela Lei Complementar 116/2003 é taxativa, só podendo ser tributados pelos Municípios os serviços nela previstos, de modo que, ao se deparar com a execução de serviços não incluídos na aludida lista, não pode o Município onerá-los.


Assim sendo, apesar da nomenclatura, o ISSQN não incide sobre todo e qualquer serviço, mas apenas sobre aqueles tipos de serviços previstos na legislação própria, conforme interpretação literal e restritiva. (Barreto, 2022)


Utilizar de mecanismos como analogia para tributar atividades que não constam na lista de serviços da Lei complementar 116/2003 é afrontar vedação expressa no artigo 108 § 1º do Código Tributário Nacional que assim dispõe “O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei”.


Neste sentido, confirmando a vedação do Código Tributário Nacional, o Superior Tribunal de Justiça vem assentado nas premissas de que o artigo 156, inciso III, da CF/88, dispõe, expressamente, acerca da necessidade de definição dos serviços tributáveis pelo ISSQN em lei complementar, definição esta que, atualmente, é efetuada pela Lei complementar 116/03 e, tendo em vista seu caráter taxativo, é inadmissível que o intérprete utilize-se de analogia para interpretá-la, bem como que os Municípios, em sede de lei ordinária, venham a extrapolá-la.

Desafio da tributação de serviços digitais

Como já exposto, as plataformas digitais possibilitaram as empresas uma atuação global na oferta de seus produtos e serviços sem, necessariamente, terem filiais físicas ou representantes nos países em que atuam.


É inquestionável que tais empresas trazem comodidade aos usuários de seus serviços e, em muitos casos, ajudam a movimentar a economia dos locais em que operam ao possibilitar a geração de renda de pessoas que não conseguiram alocação no mercado de trabalho, como motoristas de Uber e entregadores de aplicativos como Ifood ou Mercado Livre.


No caso do Uber, estes serviços auxiliam, ainda, na melhoria da mobilidade urbana, minimizando a pressão e carga do estado em assegurar transporte de qualidade e em todas as regiões de sua competência.


Por outro lado, a contribuição tributária destas empresas não pode se dar tão somente nos países em que suas sedes, sucursais ou representantes estejam instaladas. Na verdade, estas empresas muitas vezes utilizam estratégias legais de planejamento tributário, como transferência de lucros para subsidiárias em paraísos fiscais ou países com baixa tributação, ou alocando as receitas geradas em um determinado país em outra subsidiária localizada em um país com tributação mais favorável.


Tal estratégia gera um desvirtuamento do objetivo do tributo uma vez que, se a empresa fatura com a operação de seu negócio no país “A” mas paga tributos no país “B”, os usuários de outros países estariam, em última análise, financiando, por meio dos tributos pagos pela empresa, as atividades estatais dos países em que estas empresas estão situadas.


A evasão fiscal por empresas digitais de abrangência global tem sido um tema recorrente no Brasil e em diversos países ao redor do mundo. Empresas que operam sobre plataformas digitais, por ter estruturas globais, acabam pagando menos impostos do que seriam devidos em países onde operam.


Neste ponto vale trazer à memória a palestra de Smith, onde ele afirma que países de grandes dimensões, como o Brasil, provavelmente terão datacenters, servidores das plataformas digitais que fornecem serviços digitais, mas mesmo neles será necessário, em alguns casos, que se faça uma cópia de segurança em outros países, ou mesmo que um determinado serviço seja prestado em outro país. Assim, a questão que surge está em que lei aplicar às empresas e serviços globalizados. (Smith, 2012, p. 215)
Smith destaca que “a maior parte dos países, possui um conjunto de requisitos judiciais de acordo com os quais insistem que sua lei é aplicável a qualquer empresa que está fazendo negócio dentro de sua fronteira.” (Smith, 2012, p. 222)


Em outras palavras, não importa em que país uma empresa esteja sediada, onde estão concentrados seus centros de operação e servidores de plataformas digitais. Se a empresa estiver ofertando produtos e serviços dentro dos limites fronteiriços de um país, e lucrando com isto, via de regra, deve-se aplicar as legislações vigente naquele país.


Para enfrentar a evasão fiscal por empresas digitais, o Brasil tem adotado medidas como a instituição de novas regras para tributação de serviços digitais, a criação de acordos internacionais para troca de informações fiscais e o fortalecimento da fiscalização tributária. O objetivo é garantir que as empresas paguem os impostos devidos no local em que geram receita, contribuindo assim para a arrecadação tributária e a justiça fiscal.

Tributação dos serviços de plataformas digitais no Brasil

No que tange à legislação tributária, a evolução tecnológica e a ampliação das atividades e serviços digitais provocam debates na doutrina e na jurisprudência acerca da tributação do serviço prestado pelas empresas que utilizam a tecnologia como plataforma de serviços.


No caso do Brasil, as empresas digitais são tributadas com base na legislação tributária vigente, que considera a natureza e o local da prestação de serviços ou venda de bens.


Lopes explica que a questão central envolve a natureza jurídica do serviço prestado bem como a tributação incidente sobre a referida atividade, especialmente quando as receitas são oriundas de serviços prestados em diferentes regiões do globo (Lopes, 2008, p. 9)


Portanto, para analisar os tributos incidentes sobre as atividades de empresas que operam plataformas digitais e não estão sediadas no Brasil, importante, antes, discorrer sobre os aspectos jurídicos que sustentam as operações de provedores de serviços digitais em território nacional, abordando temáticas que perpassam sobre a constituição e operação destas empresas.


Quanto à sua constituição, esta pode dar-se sob a forma de sociedade simples, a qual será registrada em cartório civil de pessoas jurídicas; ou como uma sociedade empresária, registrada na Junta Comercial, sendo certo que, após o advento do novo Código Civil (Lei nº 10.406/02), a tendência passou a ser o registro da sociedade que se dedica à atividades de prestação de serviços não intelectuais como empresária, haja vista que somente aquele que exerce profissão de natureza científica, literária ou artística é considerado, pela atual legislação, como não empresário, ou sociedade simples.


Constituindo-se como sociedade empresária, esta pode adotar um dos seguintes tipos societários: sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade limitada, sociedade anônima ou, ainda, sociedade em comandita por ações. A determinação do tipo societário deve ser feita pelos sócios, após analisarem as características de cada tipo expostas no Código Civil, de forma a escolher, dentre eles, aquele que melhor reflita os seus interesses.


Nesse sentido, é válido notar que, no Brasil, o tipo mais comum é a sociedade limitada.


Faz-se obrigatório para a sociedade descrever no seu contrato social, ou estatuto – no caso de tratar-se de sociedade anônima – as atividades que compõem o seu objeto social.


Para fins fiscais, é necessária a inscrição no Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas – CNPJ na Receita Federal do Brasil, responsável pela fiscalização e recolhimento de impostos nacionais, no Instituto Nacional do Seguro Social – INSS para fiscalização e recolhimento de contribuições previdenciárias, além da inscrição municipal ou municipal, a depender da atividade desenvolvida, para fiscalização e recolhimento de impostos estaduais e municipais.


Uma vez delineados, ainda que de forma abrangente, os critérios jurídicos para que uma empresa possa realizar suas operações no Brasil, voltemos à análise concernente à tributação da atividade econômica em território nacional, para então, identificar os tributos incidentes nos serviços ofertados pelas plataformas digitais.


Lopes explica que a tributação destes serviços se encontra envolta em extrema controvérsia, havendo posição dissonante, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, quanto ao imposto que deve incidir sobre eles, conforme a natureza jurídica do serviço prestado: (Lopes, 2008, p. 9)


a) Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de transporte e de comunicação (ICMS), de competência estadual, caracterizando a natureza do serviço como sendo de comunicação por utilizar meios digitais para ofertar produtos e serviços ou conectar clientes e fornecedores; ou
b) Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), de competência municipal, caso esteja previsto na Lista de Serviços tributáveis pelo aludido imposto municipal; ou, ainda
c) Nenhum deles, em virtude da ocorrência de uma situação em que nenhum dos dois espectros de incidência pode autorizar a subsunção do conceito do evento econômico.


Portanto, necessário identificar a espécie de atividade desenvolvida pelo fornecedor de serviços digitais e sua adequação ao rol de atividades tributáveis pelos impostos estaduais e\ou municipais expressos em lei complementar.


Via de regra, toda atividade física ou intelectual, realizada em favor de terceiro, mediante retribuição, é, a princípio, apta a ser tributada pelo ISSQN, exceto as atividades de transporte e comunicação que são tributadas pelo ICMS.


No entanto, em obediência ao princípio da legalidade, faz-se necessário que tais atividades estejam expressamente descritas em lista constante em Lei Complementar que institui e regula referido imposto, isso quer dizer que, em não havendo enquadramento em nenhuma das hipóteses previstas na lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03 como tributáveis, conclui- se pela não tributação pelo ISSQN dos serviços digitais ofertados (Lopes, 2008, p. 10)


A partir desta premissa, passamos a analisar as atividades desempenhadas por algumas empresas que exploram as plataformas digitais para ofertarem produtos e serviços no intuito de identificar o tributo incidente sobre suas atividades.

UBER

O Uber é uma plataforma digital que conecta motoristas a passageiros. Os motoristas interessados em fornecer o serviço de transporte aderem ao Uber, realizando um cadastro e se comprometem a observar regras de segurança e de padronização do veículo estabelecidos pela plataforma.


Uma vez realizado o cadastro pelo motorista, a plataforma o disponibiliza aos demais usuários que podem escolher as características dos veículos em termos de luxo, espaço interno, mala grande para bagagens etc.


A solicitação da corrida aparece para os motoristas localizados nas proximidades do usuário. Ao aceitar a corrida, o usuário recebe informações do motorista com foto, nome, a placa do carro e as avaliações compartilhadas por outros usuários. Ao final da corrida, o pagamento é efetuado a partir do cartão de crédito que o usuário forneceu no momento do cadastro.


Juridicamente o Uber não é uma plataforma de radiotáxi mas sim de carros particulares que passam a oferecer um serviço de utilidade pública, ou seja, na prática, os motoristas cadastrados na plataforma não podem ser considerados motoristas particular e nem se caracterizam como motoristas de táxi tradicional.


Nascimento explica que ao promover o desaparecimento de intermediários, aumentando a lucratividade dos motoristas e facilitando o serviço para os usuários, o Uber parece conduzir-nos ao ideal capitalista do empreendedorismo individual. Sob sua égide, o motorista que oferta seu carro não pertence mais a um grupo de trabalhadores ou a uma classe que presta um serviço de utilidade pública enquanto uma concessão do Estado. A relação agora parece se apresentar entre indivíduos livres e gestores do próprio negócio que encontram passageiros igualmente livres dispostos a pagar por um serviço. (Nascimento, 2016)


Tem-se claro que a atividade do Uber não se enquadra dentre aquelas previstas no art. 2º da Lei Complementar 87/96, logo, não incide o ICMS sobre suas operações.


De igual maneira, as atividades do Uber não é a de fornecer serviços de transporte, mas tão somente criar uma ponte entre uma pessoa que possui carro e está disposta a fornecer transporte à outra pessoa.
Deste modo, o tomador do serviço da Uber, enquanto plataforma digital de intermediação, é o motorista e não o passageiro, sendo esse o tomador do serviço do motorista. (Barreto, 2022)


Portanto, torna-se evidente que não incide ISSQN nas atividades da empresa sobre a fundamentação desta desempenhar serviços de transporte uma vez que este fato gerador, em que pese estar previsto na Lei Complementar 116/03, não é desempenhado pela Uber, mas sim pelo o motorista, devendo ser este o sujeito passivo responsável pelo pagamento do tributo.

AirBNB

Airbnb é uma plataforma online onde indivíduos podem alugar locais como acomodação para turistas. Os espaços a serem alugados podem ser todo o imóvel, bem como apenas um quarto privado, onde os demais espaços do imóvel serão compartilhados com o proprietário.


Guttentag explica que para os anfitriões que possuem e/ou gerenciam anúncios do Airbnb, a plataforma oferece a capacidade de se tornar um provedor de hospedagem turística de forma livre e quase sem esforço – postando descrições e fotos da acomodação, comunicando-se com hóspedes em potencial e aceitando reservas e pagamentos de todo o mundo. (Guttentag, 2019, p. 815)


O Airbnb também processa os pagamentos dos hóspedes aos anfitriões e ganha dinheiro cobrando uma “taxa de serviço” de ambas as partes.


Tal qual o Uber, o AirBNB não é fornecedor dos serviços de hospedagem, mas tão somente criar uma ponte entre uma pessoa que um imóvel, ou um cômodo deste imóvel e está disposta a fornecê-lo como acomodação à outra pessoa.


Tem-se claro que a atividade do AirBNB não se enquadra dentre aquelas previstas no art. 2º da Lei Complementar 87/96, logo, não incide o ICMS sobre suas operações.


No entanto, as atividades da empresa se enquadram no item 9.02 da lista de serviços da Lei complementar 116/03, qual seja Agenciamento, organização, promoção, intermediação e execução de programas de turismo, passeios, viagens, excursões, hospedagens e congêneres, portanto, sobre tais atividades incidem o ISSQN.


O Airbnb afirma em seu site que o recolhimento e pagamento destes impostos é realizado de forma automática, considerando os impostos aplicáveis na localidade de locação do imóvel ou cômodo do anfitrião.

NETFLIX

A Netflix é uma empresa americana criada em 1997 na Califórnia, onde está localizada a sua sede mundial. Inicialmente, era uma empresa que fornecia serviço de locação de filmes e que passou a oferecer assinatura de locação ilimitada de DVD’s por um preço mensal.


Esse foi o início de uma grande ideia que, mais adiante, passou a se valer da internet para ampliar seu público. Esse salto deu-se em 2007, quando a Netflix iniciou o serviço de transmissão online, o qual permite aos assinantes assistir a séries e filmes instantaneamente no computador.


Tal serviço de streaming chegou ao Brasil em setembro de 2011. Seduzidos pela popularidade da Netflix, os entes federativos passaram a buscar a competência e a capacidade tributária a seu próprio modo para regulamentar a incidência de tributos sob os serviços de streaming. Com isso, foram criados instrumentos normativos para viabilizar a cobrança dessa atividade por meio do ICMS e do ISS. (Barbosa, 2018)


Em 2017, o Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, firmou o convênio ICMS 106 que disciplina os procedimentos de cobrança do tributo incidente nas operações com bens e mercadorias digitais comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados. (Conselho Nacional de Política Fazendária)


Portanto, os Estados alegavam que as atividades desempenhadas pela Netflix se enquadram naquelas previstas na Cláusula Primeira do referido convênio, qual seja, “As operações com bens e mercadorias digitais, tais como softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, que sejam padronizados, ainda que tenham sido ou possam ser adaptados, comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados observarão as disposições contidas neste convênio”, logo, incide sobre tal atividade o ICMS de competência estadual.


Deste modo, em todos os estados brasileiros em que a Netflix possui clientes que consomem seus conteúdos, seria devido o recolhimento do ICMS, nos termos da cláusula terceira que determina que o imposto será recolhido na unidade federada onde é domiciliado ou estabelecido o adquirente do bem ou mercadoria digital.


No que tange ao imposto sobre serviços de competência municipal – ISSQN, importante destacar que a Lei Complementar 157 de 2016 trouxe modificações na lista de serviços tributáveis ampliando-a para contemplar serviços como a “Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei 12.485/11, sujeita ao ICMS)”.


Maganha afirma que a “disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet” é exatamente o que fazem os prestadores de serviços de Streaming, dentre os quais, os mais conhecidos são Netflix, Spotify, Apple Music, Deezer, HBO Go, entre outros. (Maganha, 2017)


A partir deste entendimento, têm-se que sobre os serviços ofertados pela Netflix também poderia incidir o imposto municipal.


Havendo, portanto, a possibilidade de incidência tanto do ICMS quanto do ISSQN sobre os serviços prestados pela Netflix, verifica-se a ocorrência da bitributação.


A bitributação surge quando dois entes da federação, igualmente competentes, decretam e recolhem impostos que incidam sobre o mesmo ato ou objeto, no entanto, tal prática é vedada pela Constituição Federal. (Conselho Nacional do Ministério Publico).


No entanto, apesar da aparente incidência do ICMS e do ISSQN, como relatado acima, o tema não é pacificado na doutrina, gerando teses e posicionamentos distintos.


Não obstante o esforço dos estados em trazer para si a competência tributária para arrecadação de ICMS sobre o serviço prestado pela Netflix, Barbosa alerta que é necessário verificar a natureza do serviço prestado. Caso a finalidade seja a transmissão de mensagens (emissão ou recepção), haverá incidência do ICMS, mas se não for o caso, como nos serviços prestados pela Netflix que transmite filmes e séries para fins de entretenimento, os Tribunais Superiores já pacificaram o entendimento de que não haverá cobrança de ICMS . (Barbosa, 2018)


No que tange a incidência do ISSQN, alguns estudiosos do direito defendem que neste caso, seria inconstitucional. Eles afirmam que a prestação ofertada pela Netflix não se trata de serviço, o que descaracterizaria a hipótese de incidência do referido imposto.


Para Muniz, por exemplo, se a atividade da Netflix não for, em essência, a prestação de serviço, ela não pode ser tributada pelo ISSQN. O autor esclarece que que um serviço “é uma obrigação de fazer, ou seja, um acordo mediante o qual alguém se compromete a fazer algo para outra pessoa” e que “se observar a verdadeira natureza, nos parece que o Netflix concede a seus assinantes uma autorização para acesso a um conteúdo alocado em certo servidor. Se é assim, o Netflix não está realizando um serviço, mas permitindo o acesso e visualização de um conteúdo próprio, o que se assemelha a uma locação do conteúdo disponibilizados pela empresa.” (Muniz, 2015)


Fragoso pactua deste entendimento ao afirmar que “no caso dos serviços de streaming essa obrigação na verdade seria uma obrigação de dar, por meio de cessão de direitos, o acesso aos conteúdos que o usuário deseja assistir ou ouvir. Sendo uma obrigação de dar, esta não caracteriza fato gerador de ISS por não ser caracterizada como serviço.” (Fragoso et al., 2018)


Analisando-se o histórico da empresa, como relatado no início deste tópico, de fato o que houve foi uma evolução de seu produto. Nos primórdios da atividade empresarial, a Netflix permitia aos seus clientes acesso de forma ilimitada a DVD’s cobrando um preço fixo. Atualmente, ela mantem a política de cobrança de um preço fixo para acesso ao seu conteúdo que não mais se encontra em mídias físicas, mas sim em formato digital, acessível via internet.


Neste sentido, tendo-se como premissa de que a Netflix não presta um serviço, mas tão somente fornece acesso ao seu conteúdo por meio de pagamento, o que seria na prática uma locação, o STF já declarou através de Súmula Vinculante 31 que “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.”.


O fundamento desta súmula tem como base no conceito de que não se tributa a obrigação de dar através de ISS. (Muniz, 2015) (Fragoso et al., 2018)


O fato é que, em se tratando da tributação da Netflix, o caso é inconclusivo ante tão distintos e bem fundamentado posicionamentos e, pelo menos no Brasil, as discussões sobre tributação de serviços de streaming ainda são muito incipientes, de modo que o Poder Judiciário ainda não firmou jurisprudência sobre o assunto.


Deste modo, a certeza é de que haverá um grande embate entorno da constitucionalidade ou não da tributação do ISS sobre essas atividades. No final, a última palavra caberá ao Judiciário. (Barbosa, 2018) (Muniz, 2015)(Fragoso et al., 2018)

Conclusão

Neste trabalho analisamos a evolução da tecnologia e o surgimento de novos produtos ou serviços ofertados por empresas que, utilizando as plataformas digitais, alavancaram suas operações e atualmente possuem um alcance global.


A abrangência mundial destas empresas faz surgir desafios tributários para os países, estados e municípios em que operam. Portanto, alguns serviços digitais ofertados por estas empresas foram analisados, à luz da legislação tributária brasileira, focado nos tributos estaduais e municipais, para identificar a incidência de impostos sobre suas operações.


No caso do Uber, entendemos que sobre sua atividade não incidem os tributos estaduais e municipais (ICMS e ISSQN) pelo fato da empresa não ser a prestadora de serviço de transporte, mas tão somente intermediar e possibilitar a conexão entre os passageiros e motoristas.


O AirBNB, por outro lado, intermedia serviços de hospedagem de modo que é inequívoca a incidência do ISSQN sobre a atividade da empresa por expressa previsão na lista de serviços disposta na Lei Complementar 116/03, no item 9.02.


No caso do Netflix, foi demonstrado que existem normas tributárias que possibilitam a cobrança dos tributos estaduais e municipais, no entanto, o assunto é revestido de controvérsias e teses contraditórias onde, seguindo alguns entendimentos, os serviços prestados pela empresa não são passíveis de recolhimento de nenhum destes impostos, ficando a cargo do poder judiciário a definição final sobre a problemática analisando o caso concreto.


Por fim, nas situações em que as empresas de plataforma digital tão somente fazem a intermediação e o serviço é fornecido por terceiros intermediados, como no caso do Uber, os municípios podem fazer uso da previsão expressa no art. 6º da Lei Complementar 116/03 para exigir o recolhimento de impostos destas empresas, o que facilita a fiscalização e arrecadação do tributo.


Assim dispõe o art. 6º

Art. 6o Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.
§ 1o Os responsáveis a que se refere este artigo estão obrigados ao recolhimento integral do imposto devido, multa e acréscimos legais, independentemente de ter sido efetuada sua retenção na fonte.
Deste modo, a ausência da atividade desempenha pelas empresas que exploram as plataformas digitais na lista de atividades tributáveis pelo ISSQN não significa, necessariamente, a impossibilidade do município arrecadar com os serviços prestados pelos usuários de suas plataformas.


Como visto, pelo menos no Brasil, a própria lei complementar que regula o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza prevê mecanismos para que estas empresas sejam responsáveis diretas pelo recolhimento do tributo, ainda que o fato gerador tenha sido provocado pelos usuários de seus serviços digitais.


Tal flexibilidade tem por finalidade não criar embaraços à capacidade arrecadatória dos municípios, com um viés tão somente favorável ao fisco, no entanto, é imperativo que as legislações vigentes se adequem às novas tecnologias e atualidades do direito digital de modo a impedir que barreiras tributárias sejam limitadoras do progresso e avanço tecnológico.

Referencias

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